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27 de Dezembro de 2012 às 00:01

Crise e transformação

Tornou-se um cliché caracterizar a nossa época como um tempo de transformações rápidas. Mas 2012 foi um ano particularmente agitado. Não passou um único dia sem que houvesse a necessidade de uma atenção contínua e concertada nas crises económicas, nos conflitos políticos e militares, convulsões sociais, conflitos culturais, ou problemas ambientais em algum canto do mundo.

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A vizinhança da Turquia ocupou o primeiro lugar na agenda política global em 2012, e vai continuar assim em 2013. Para norte, a Europa está numa encruzilhada, passando por um processo de destruição criativa, com possíveis ramificações de longo alcance, muito além dos limites da União Europeia. Para sul, uma luta irreversível pela liberdade, dignidade, democracia e paz está a alterar a paisagem política da região.

Escusado será dizer que as medidas económicas, por si só, não poderão pôr um fim à crise em curso na União Europeia. A Europa tem de se redefinir e identificar a sua missão novamente, se pretende manter o seu peso geopolítico. A União Europeia deve decidir se representa uma comunidade de valores, ou apenas uma entidade geográfica definida cujos impulsos excludentes acabarão por corroer a sua relevância global.

Como parte integrante da Europa, com a adesão à União Europeia como um objectivo estratégico, a Turquia não é um espectador indiferente. Pelo contrário, esforçamo-nos por participar no debate actual, oferecendo os nossos próprios pontos de vista e ideias. Acreditamos, por exemplo, que a integração da União Europeia deve ser mais ampla e profunda, mantendo, assim, a sua influência positiva e transformadora nas regiões vizinhas.

Aqui, obviamente, o Médio Oriente e o Norte de África devem ser uma preocupação primordial. Historicamente, o que acontece de um lado do Mediterrâneo tem impacto directo sobre o outro; dado o nível de interdependência global dos dias de hoje, há todas as razões para acreditar que isto continua a ser verdade.

A aspiração genuína dos povos árabes para garantir os direitos universais de que os europeus gozam refuta a perspectiva orientalista de longa data do Ocidente. É claro que ainda é muito cedo para prever o resultado do despertar árabe, e os países em transição ainda enfrentam desafios assustadores. Mas nenhum dos vários cenários de pesadelo se materializou, o que augura uma esperança para o futuro. Além disso, na Tunísia, Líbia e Egipto, as eleições livres e justas - as primeiras na história destes países - foram realizadas em 2012.

Mas a democracia não são só eleições. A tarefa de criar instituições democráticas essenciais - o Estado de Direito, os hábitos de responsabilidade, igualdade de género e liberdade de expressão e de religião - ainda não foi completada nestes países. No entanto, os povos árabes experimentaram finalmente a autonomia genuína, e cruzaram o limiar de medo. Eu acredito que eles vão continuar a avançar em direcção à democracia.

A situação na Síria e a recente ofensiva israelita na Faixa de Gaza permanecem feridas abertas. As exigências do povo sírio são as mesmas que se ouvem na Tunísia, Líbia e Egipto: uma vida digna e democrática. Em vez disso, têm assistido a uma campanha desumana de violência - incluindo ataques de aviões, helicópteros e tanques – levada a cabo pelo regime do presidente Bashar al-Assad. O esforço do regime para transformar a sua luta pela sobrevivência num conflito étnico e sectário poderá causar estragos em toda a região, começando pelos vizinhos próximos, como o Líbano e o Iraque.

Desde o início do despertar árabe, a Turquia tem tomado uma posição de princípio ao lado das aspirações legítimas e democráticas. Conscientes do nosso papel especial como um parceiro histórico e, mais ainda, como fonte de inspiração para aqueles que exigem os seus direitos e liberdades, sentimo-nos particularmente compelidos a fazê-lo.

Para a Turquia, a guerra civil na Síria criou um desafio adicional na forma de uma crise humanitária. Hospedamos agora cerca de 200 mil sírios que fugiram da violência crescente do seu país, e já gastámos mais de 400 milhões de dólares para acomodar essas pessoas desesperadas - com quase nenhuma ajuda do resto do mundo. Mas nunca seremos dissuadidos de ajudar os nossos vizinhos sírios na sua hora mais difícil, dados os laços especiais que resultam de muitos séculos de história comum.

Outros dois desafios fundamentais e inter-relacionados de segurança na região - o conflito israelo-árabe e o crescente perigo da proliferação de armas de destruição em massa - também devem ser resolvidos de modo a garantir que a transformação histórica do Médio Oriente conduz a uma situação de segurança, estabilidade e prosperidade. Aqui, a recente onda de violência em Gaza demonstrou, mais uma vez, o risco de um conflito regional.

A última operação de Israel em Gaza não trouxe nenhum benefício táctico ou estratégico. Pelo contrário, esta agressão, claramente encenada para consumo político interno, vai prejudicar a segurança de Israel a longo prazo. Pela primeira vez, o Hamas mostrou-se capaz de provocar rupturas tão distantes como Tel Aviv, enquanto Israel foi forçado a defender a sua reputação, mesmo com os seus aliados tradicionais, incluindo os Estados Unidos. Mas a maior lição para Israel é que precisa de compreender melhor o novo ambiente estratégico após o despertar árabe.

É imperativo adoptar uma abordagem mais holística para ambos os problemas. O ponto de referência para tal esforço deve ser a implementação paralela do plano de paz árabe de 2002, que contempla as preocupações de segurança de Israel, e um mecanismo de desarmamento regional baseado na Resolução 687 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, adoptada em 1991 para permitir a eliminação de armas de destruição maciça em toda a região. Aprecio profundamente as observações do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, na Conferência de Revisão do Tratado para a Não Proliferação de Armas Nucleares, em que ele apoiou essa ideia e convidou outros actores importantes a tomar uma iniciativa em relação ao desarmamento.

Esta abordagem permitiria uma resolução justa e duradoura para a questão palestiniana, que ofende profundamente o sentimento de justiça e causa instabilidade e extremismo, ao eliminar as tensões decorrentes das ameaças do Irão e de outros países da região.

Além disso, os países avançados e as instituições financeiras internacionais deveriam implementar um programa abrangente de recuperação económica para os países árabes em transição, semelhante ao Plano Marshall, implementado após a Segunda Guerra Mundial. A Europa e a comunidade internacional têm uma oportunidade de ajudar a região do Mediterrâneo a recuperar a prosperidade e a grandeza que já teve outrora, e de transformar o Médio Oriente numa zona de paz, estabilidade, e democracia. A Turquia fará tudo o que puder para concretizar este objectivo.

Tradução: Rita Faria

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